Aproximar o Parlamento brasileiro da sociedade, da comunidade e, principalmente, dos locais onde estão as mulheres vítimas de violência. Esse foi o intuito do debate Voz das mulheres no combate à violência, promovido pelo programa Pauta Feminina, nesta quarta-feira (22), no Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM), em Ceilândia. A iniciativa é uma parceria entre a Diretoria-Geral do Senado e as procuradorias da Mulher do Senado e da Câmara dos Deputados.
— Esta é a primeira vez que a Pauta Feminina ocorre fora da sede do Senado Federal, do Palácio do Congresso Nacional. Esta é a nossa missão: levar informação de uma legislação [Lei Maria da Penha] que foi aprovada e aprimorada no Congresso. E também aproximá-la [a mulher] do que são os seus direitos, inclusive tivemos aqui hoje a delegacia móvel da mulher para que, se ela se desse conta de que sofre algum tipo de violência, estaria aqui a infraestrutura à disposição —disse a diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, ao assinalar que esse era um registro histórico por trazer as vozes das mulheres no combate à violência.
Rita Polli, coordenadora da Procuradoria Especial da Mulher (Promul), também assinalou que levar a Pauta Feminina a Ceilândia é uma inovação, e que a intenção foi reunir os diversos órgãos do Poder Público para ajudar as usuárias do serviço, pois o CEAM integra uma rede de proteção à mulher e deve ser valorizado. Ela disse ainda que “a luta da mulher é sempre conjunta”, destacou o apoio do governo do Distrito Federal e que a discussão do tema é para que as questões femininas tenham resolutividade, não bastando seu acolhimento.
Gina Vieira Ponte, professora do Centro de Ensino Fundamental 12 de Ceilândia e educadora há 27 anos, é a responsável pelo projeto Mulheres Inspiradoras, que deverá se transformar em programa de política pública do Distrito Federal. Trata-se de uma parceria da Secretaria de Educação do DF com o Banco de Desenvolvimento da América Latina, com sede na Colômbia, prevendo a integração de 15 escolas da rede pública e 30 professores. Para Gina, a questão da violência começa a ser resolvida pela educação e por uma escola que dialogue com os jovens e seja agente de mudança. O projeto ganhou o 4º Prêmio Nacional de Educação e Direitos Humanos, o 8º Prêmio Professores do Brasil, o 10º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero e o 1º Prêmio Ibero-Americano de Direitos Humanos.
Gina mencionou que o projeto deu origem a livro de mesmo nome, que traz depoimentos colhidos por alunos de Ceilândia de suas mães, avós e bisavós, com base nos exemplos de mulheres inspiradoras, como a doutora Zilda Arns, Rosa Parks, Malala, Maria da Penha e outras. A ideia é que “as meninas tenham outras possibilidades identitárias que não se apoiem apenas nos dispositivos amorosos e maternos”, mas alcancem espaços de poder e de tomada de decisão para que possam se contrapor ao homens que não reconhecem as mulheres como sujeitos de direitos.
— Essas mulheres são muito inspiradoras e precisam ser visibilizadas — afirmou a professora.
Delegacia especializada
Já a delegada-chefe da DEAM, Sandra Melo, que está há 22 anos na Polícia Civil, é precursora das delegacias especiais de atendimento à mulher, tendo criado a segunda delegacia especializada no país em 2007. O trabalho rendeu a ela o Prêmio Global na Categoria Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Sandra enfatizou que, diferentemente de mulheres em outros países, no Brasil as mulheres aderem ao movimento feminista para garantia de sua sobrevivência.
— Não podemos falar de violência se não se abrir essa caixa que, por tanto tempo, ficou fechada — disse a delegada sobre a realidade da violência que, segundo ela, permanece. São dois casos de espancamento de mulheres a cada 15 segundos, e a cada hora e meia, um feminicídio, apesar de o país ser signatário de tantos tratados de proteção à mulher — protestou. Para ela, a Lei Maria da Penha é um divisor de águas e instrumento importante para adoção de políticas públicas. A delegada defendeu maior rigor nos protocolos policiais de atendimento à mulher.
Isolamento
Erika Laurindo, chefe do CEAM de Ceilândia desde 2014, assinalou a importância do trabalho preventivo e de uma equipe interdisciplinar que tenha profissionais do direito, pedagogia e psicologia, além do desenvolvimento de lideranças comunitárias com as quais a Polícia Civil deve estar articulada. Erika sugeriu perícias mais bem-feitas que levem em conta a condição de gênero e até mesmo ocorrência de flagrantes em delegacias móveis.
— A gente sabe que é a articulação que vai trazer a política de fato para ter a demanda atendida. Antes se falava em sensibilização, mas a palavra a ser adotada é transformação — insistiu.
Erika avalia ser necessário identificar fatores de risco e de proteção que as mulheres têm, tirar a mulher da situação de isolamento de amigos e familiares e estabelecer um plano de segurança que mostre a elas que é preciso estar de posse de sua documentação e da chave de sua casa para poder se defender e ter uma rota de fuga.
Lívia da Fonseca, advogada e integrante da equipe de coordenação do Projeto Promotores Legais Populares (PLP), que atua há 14 anos promovendo cursos de esclarecimento e que tem parceria com o Grupo União de Mulheres, disse que a mulher precisa compreender que é autônoma, saber o que quer, se fortalecer e se empoderar. Os cursos têm por base o educador Paulo Freire e a ideia de que a educação é construída a partir do diálogo. Lívia convidou as mulheres presentes a participarem de discussão sobre a Lei Maria da Penha no dia 7 de abril, às 9h, no Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Brasília em Ceilândia e no CEAM da 102 Sul. O Fórum de PLP pretende formular uma agenda política de articulação, “pois temos sofrido muitos ataques aos direitos das mulheres”.
Ao final do evento, uma mulher identificada apenas como Daiana teve sua carta de apelo por socorro lida no debate. Ela relatava violência cometida pelo marido. Para ajudar outras vítimas de violência doméstica, Daiana está entrando com proposta de projeto de lei na Câmara Distrital do Distrito Federal para que as mulheres sejam atendidas por outras mulheres nas delegacias, hospitais e Instituto Médico Legal. Ela pediu o apoio das debatedoras para a proposta
Fonte: Senado