Governo do Distrito Federal
9/09/15 às 19h53 - Atualizado em 29/10/18 às 11h14

Em audiência, ciganos cobram direitos básicos

Grupo de trabalho liderado pela Semidh busca atender às demandas apresentadas

Água, banheiro químico, funcionamento da tenda escola existente, manutenção de transporte escolar e criação de uma escola voltada para a cultura cigana foram algumas demandas apresentadas na audiência proposta pelo presidente da Comissão de Educação, Saúde e Cultura da Câmara Legislativa do Distrito Federal (Cesc/CLDF), deputado Reginaldo Veras, e articulada pela Secretaria de Estado de Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Semidh).

Representantes de órgãos federais, como Ministério da Educação e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), do Governo de Brasília, como a Secretaria de Educação e a Semidh, e do Ministério Público sentaram-se à mesa com o presidente da Associação Nacional da Etnia Calon (Anec), Wanderley da Rocha, e o vice-presidente da Associação dos Ciganos da Etnia Calon (Acec) do Distrito Federal, Aparecido Alves da Silva.

No dia 24 de junho deste ano, a União cedeu ao governo de Brasília dois terrenos para abrigar as comunidades calons representadas por seu Wanderley e por Aparecido. Ambos os terrenos somam quase seis hectares. Pelo menos 150 ciganos moram na região em condições precárias que geraram cobranças enfáticas de ciganos – principalmente na voz de ciganas. Elas têm o dom da palavra, o direito na palma da mão e procuram o destino com base na Constituição.

Grupo de trabalho – Coordenador de Enfrentamento ao Racismo na Semidh, Carlos Alberto Santos de Paulo disse que “nos últimos oito meses nós temos procurado envidar esforços para responder às demandas das comunidades ciganas de maneira articulada, seja intersetorialmente, seja no âmbito do governo federal”.

Segundo Carlos alberto, há um Grupo de Trabalho intersetorial, encabeçado pela Semidh, sendo constituído que terá “um papel fundamental no sentido de convergir para responder a todas às necessidades que foram apresentadas nesta audiência pública”, revelou.

O gerente de comunidades tradicionais e patrimônio cultural, Murilo Mangabeira, a gerente de acompanhamento de ações intersetoriais, Eliane Maria Ferreira, a gerente de combate ao racismo institucional, Andressa Lustosa Cavalcanti, e a chefe do núcleo de Educação, Thanisia Marcela Alvez Cruz têm feito a interlocução entre a Semidh e a comunidade cigana.

Preconceitos – – Você é cigana? Mas não vai tirar a criança daqui um mês, não é? Em tom de ironia, a provocação feita a Daiane da Rocha, secretária geral da Anec, pela funcionária da escola em que foi matricular a filha exemplifica o tipo de preconceito e de descrença com que os ciganos costumam ser recebidos quando procuram a escola.

Desde 2012, a Resolução nº3, de 16 de maio, da Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação garantiu a crianças adolescentes e jovens em situação de itinerância o acesso à escola, sem ter que comprovar endereço ou apresentar documento ou histórico de escolas anteriores.

“Existem leis, mas as pessoas não fazem questão de que sejam cumpridas”, disse Daiane, que sugeriu realização, por exemplo, de uma reunião em que os ciganos pudessem expor sua cultura e sua história, para melhorar a capacitação dos gestores escolares que lidam com o público cigano bem como dos próprios pais das crianças que não são ciganas.

No acampamento de Daiane, há 65 pessoas (28 crianças). Ela destaca a necessidade de trabalhar o material didático da escola convencional, onde a ausência de referências a cultura cigana é tão grave quanto as referências distorcidas e até dicionarizadas, que difundem acepções negativas de que os ciganos são um povo errante e ladrão.

A ideia de haver uma escola própria adequada às próprias características do povo cigano a empolga – “parece música”.

Protagonismo feminino – Secretária geral da Acec-DF, Marlete Queiroz também compartilhou uma história de discriminação. Em 2008, a diretora de uma escola próxima ao núcleo Santos Dumont, perto de Planaltina, reuniu as crianças no pátio para preveni-las quanto ao acampamento cigano, onde uma senhora (mãe de Aparecido, presidente de Acec), “tira os braços, as pernas e os olhos de crianças para cozinhar”.

Idealizadora do projeto Terra para os Calons, que culminou com a cessão de uso de dois terrenos, no dia 24 de junho, Marlete Queiroz é um exemplo de protagonismo feminino na comunidade cigana. Segundo ela, os Calon chegaram ao Brasil em 1578 e a legislação colonial lhes proibiu o acesso a terra e a educação, obrigando-os a deslocamentos frequentes.

Marlete nunca morou em acampamento. Fugida do Rio Grande do Norte, em função de perseguição a ciganos, a mãe fez o que pôde para demovê-la dessa identificação. Marlete preferiu se dedicar a lutar “para ninguém nunca mais ter vergonha de dizer que é cigano ou cigana”.

Perto de concluir um curso privado de técnico em enfermagem, Shirlene Silva Rocha destacou as dificuldades que tem para frequentar e bancar o curso, financiado com a venda de panos de pratos, e que podem ser agravadas caso haja corte da linha de ônibus que serve à comunidade. Ela se exaspera, todavia, por questões mais básicas.

“Há um ano que estamos lá e, quando conversamos com as autoridades, apertamos sempre a mesma tecla: água para nossa comunidade e banheiro químico. A gente sabe que banheiro demora, mas há mais de ano a gente vem cobrando, demora quanto tempo?”, indagou. “A gente não está aqui pedindo nada, mas cobrando um direito que é humano”, frisou.

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